LIBRAS – O potencial cênico da Língua Brasileira de Sinais

LIBRAS nas Artes Cênicas - Espetáculo FEIO

A comunicação dxs Surdxs no Brasil acontece com o intermédio da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.

Como o primeiro desafio da Casa era construir um roteiro com os fundamentos da Dramaturgia do Silêncio, nada melhor do que parceiros que têm no silêncio sua principal ferramenta de comunicação: atores Surdxs.

Antes de mais nada, é necessário alinhar alguns conceitos fundamentais da LIBRAS:

  1. É uma língua e não uma linguagem, portanto tem sintaxe, gramática e morfologia próprias;
  2. É a segunda língua oficial do Brasil;
  3. Não é universal, é utilizada no Brasil e há diferenças regionais, como acontece nas línguas fonéticas;
  4. Não é mímica ou gesticulação, há uma estruturação linguística que a sustenta;
  5. Não é Língua Portuguesa sinalizada, têm uma constituição própria e que parte de uma lógica espacial visual.

Tendo isso em mente, o que chama mais atenção é que para a comunicação em língua de sinais, o contexto acontece segundo uma lógica visual, que não tem paralelo possível com as línguas fonéticas e é justamente aí que reside a sua potencialidade comunicativa (e teatral).

Tomemos como exemplo a palavra linha. Podemos usá-la em diferentes contextos: linha na agulha, linha na pipa, linha para escrever, manter a linha (a lisura) etc. Eu usei a mesma palavra e a contextualizei com outras. Mas o português é uma linha fonética. Ouvimos um código e o compreendemos, no entanto, jamais teremos a acepção visual da palavra. Eu não sei a espessura da linha, o comprimento, mas na LIBRAS isso é possível porque, como já disse, é uma língua espacial visual.

No vídeo acima, vemos o professor Surdo Fábio de Sá, usando o verbete “linha” em diferentes acepções na LIBRAS. A essa “descrição” espacial visual dá-se o nome de Classificador (CL). Não se enganem, não é mímica. É uma parte da estrutura da língua de sinais. É o que mostra ao interlocutor o contexto. Tem um caráter bastante icônico por isso é inteligível mesmo para os que não conheçam a Língua. O classificador gera uma referência espacial visual o que é importantíssimo na Língua de Sinais e cria uma diferenciação marcante entre Cultura Surda e Ouvinte.

Para os Surdos não existe um sinal que corresponda a cada palavra em uma línguaé um fonética, como a Língua Portuguesa, por exemplo, o que existe é o contexto e os sinais poderão mudar de acordo com ele.

A pessoa Surda, ao se comunicar, sequencia códigos visuais, dentro de uma lógica visual. Eis a comunicação intrínseca entre a LIBRAS e a Dramaturgia do Silêncio, pois a busca de uma escrita dramática que seja visual nasce justamente dessa necessidade, a compreensão da justaposição de ícones.

Além disso, na LIBRAS, a expressão facial, assim como a configuração de mãos, faz parte da morfologia da Língua, o que dá a ela teatralidade.

 

Mas, não se enganem, os Classificadores são apenas uma parte da Língua Brasileira de Sinais. Existe uma codificação não tão icônica dentro da morfologia e também há uma gramática muito própria.

De qualquer, para a pesquisa da cena, conhecer LIBRAS é um recurso fascinante.

O potencial cênico da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS

Cena do espetáculo teatral FEIO, dirigido por Cintia Alves, com os atores Paloma Fraga, Edson Calheiros, Delson Marinho e Anderson Pinheiro.

Projeto “Dramaturgia do Silêncio”: Primeiro desafio da Casa

A Dramaturgia do Silêncio ou a arte da construção do dramático sem palavras

O primeiro projeto/desafio da Casa Brasileira de Dramaturgia é a construção de uma dramaturgia que prescinda de palavras, nominada pela dramaturga Cintia Alves de “Dramaturgia do Silêncio”. A proposta surgiu a partir da parceria com a Coisolândia 2 – Lugar de Silêncio e Sons, projeto selecionado pelo edital de Mediação em Arte do Centro Cultural São Paulo e que atua com a Cultura Surda.

Apresentação do projeto: “Dramaturgia do Silêncio”

Os trabalhos da Casa estão dimensionados de acordo com desafios e, para o nosso “debut”, organizamos um dogma, que precisa ser experimentado religiosamente por todxs os sete inquilinxs:

  1. Escrever um roteiro cujos diálogos entre as personagens não tenham palavras;
  2. Não pode ser usada a mímica e é necessário partir de uma perspectiva realista;
  3. Todas as locações acontecerão nas dependências do Centro Cultural São Paulo;
  4. Filmagem com câmera fotográfica ou celular;
  5. Produções enxutíssimas contando apenas com o expertise dos inquilinxs da Casa;
  6. Não pode ser usada trilha ou qualquer recurso sonoro que, de alguma forma, coadjuve na comunicação da história;
  7. Os personagens principais são Surdxs;
  8. Produzir um curtíssima metragem (máximo de 3 minutos) com esses elementos.

Para o início do estudo, a ideia era que prestássemos atenção em cenas cotidianas que tivessem potencial comunicativo, ou seja, que fossem capazes de sugerir uma fábula (história) sem que fossem proferidas palavras.

Nota-se aí que a construção de um texto dramático no qual o diálogo prescinda de palavras, partindo de um ponto de vista realista, propõe uma potencialização do poder de comunicação da ação física do personagem bem como de todas as imagens que fazem parte da mesma ação.

No verbete AÇÃO do Dicionário de Teatro, de Patrice Pavis, é apresentada a seguinte definição:

“Ação é a sequência de acontecimentos cênicos essencialmente produzidos em função do comportamento das personagens, a ação é, ao mesmo tempo, concretamente, o conjunto dos processos de transformações visíveis em cena e, no nível das personagens, o que caracteriza as suas modificações psicológicas ou morais”.

O que se subentende é que, em um texto cuja personagem fala, ela pode sugerir, por meio da palavra, todo o contexto psicológico no qual está inserida, todas as relações intratextuais, noções de transcorrer do tempo etc, no entanto, à medida que não existe fala, o expectador “lê” apenas as imagens: uma mulher que passa com um livro embaixo do braço é apenas isso, em uma cena sem palavras. Para que mais significados sejam unidos a esse significante, é necessária a justaposição de novos signos visuais. Isso, por si, acaba por “abrir” a obra à leitura do espectador uma vez que, a leitura de imagens não comunica de forma absoluta, mas depende das experiências de cada espectador. Porque, continuando a definição de Pavis, as transformações invisíveis das personagens acontecem internamente em casa espectador.

O desafio proposto nessa busca pela Dramaturgia do Silêncio é criar um alinhamento entre alinhamento nessa comunicação. Os vídeos estarão disponíveis no canal do Youtube da Casa a partir de janeiro.

Alea jacta est!

Roteiro criado para a pesquisa da Dramaturgia do SilêncioCena do curta-metragem “Chave do Livro”, roteiro criado por Cintia Alves para a pesquisa da Dramaturgia do Silêncio

Cultura Surda na Casa Brasileira de Dramaturgia

palavra chave

Cultura Surda na Casa Brasileira de Dramaturgia

Casa Brasileira de Dramaturgia na Coisolândia!
A Coisolândia 2 – Lugar de Silêncio e Sons começou a sua despedida do Centro Cultural São Paulo!
Desde julho, o Coletivo GRÃO – Arte e Cidadania realiza, dentro do edital de Mediação em Arte, atividades que trazem à luz a Cultura Surda. Foram desde oficinas de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – Música no Corpo e Teatro do Silêncio; passando por Diálogos sobre o Direito do Surdo de Acesso à Arte e Cultura e um Diagnóstico da Hospitalidade do equipamento cultural para o Surdo. Além disso, houve os Encontros Artísticos.
Já tivemos Dança, Poesia, Fotografia e Música e, agora, é a vez da dramaturgia. Nossos parceiros serão os Dramaturgos da Casa Brasileira de Dramaturgia que toparam criar roteiros exclusivos, baseados na Dramaturgia do Silêncio, para serem filmados com atores Surdos. Não há palavras, apenas gestos e expressões.
Os roteiros, dos mais diferentes estilos, estão sendo escritos por Miriam Lima, Eduardo Aleixo, Eduardo Bartolomeu, Marco Albuquerque, Dani Zj Alba, Rogério Favoretto e, vejam só, Cintia Alves, nossa Coisa de Plantão.
Tudo pensando para que a nossa despedida tenha gostinho de “volte logo! ”.

Apresentação do Projeto: Coisolândia: